segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O Minho cheira a Natal

Foto Hernâni Von Doellinger

O Minho cheira, sabiam? O Alentejo e Trás-os-Montes decerto também cheiram, as Beiras e o Ribatejo lá terão os seus aromas, mas a mim o que me interessa é o Minho. E por estes dias o Minho cheira a Natal. Ao Natal antigo. Os últimos lavradores do Minho fazem fogueiras nos campos como fizeram os seus pais e os pais dos seus pais, queimando folhas secas e gravetos velhos, emprestando ao ar um perfume doce de lareira. Dá vontade de abrir a janela do carro. E abre-se, apesar do frio. Entra a memória: a avó a aquecer o vinho na infusa fanada, metendo lá dentro uma maçã acabada de assar no borralho, os malabarismos a toque de caixa do testo da velha chocolateira a esbordar de café que era cevada, a garrafa de aguardente do avô que bastava aliviar-lhe a rolha para logo curar constipações e até unhas encravadas. E a canela. Sim, as queimadas agrícolas de Dezembro, no Minho, são temperadas com canela. Que ninguém me diga o contrário.
Depois há o fumo. Que acinzenta o verde que cresce ao abandono e as leiras lavradas e cada vez mais raras, mas não entristece. O fumo aconchega-nos. Por causa do fumo, o céu é mais baixo, estamos mais perto do Céu, estamos mais perto uns dos outros, e apetece-nos inspirar a plenos pulmões a ver se conseguimos guardar este fumo e este cheio para o resto do ano, para o resto da vida. Foi assim na quinta-feira, primeiro dia do mês.
Tornei ao Minho. A um sítio que visito agora muito raramente, porque cotão no bolso não paga contas. E volto lá, quando posso, não porque a cozinha seja superlativa (embora continue de uma honestidade a toda a prova), mas porque me afeiçoei àquela gente para quem nós somos também amigos. Fazem-nos sempre uma grande festa, a mim e à minha mulher, cobrem-nos de mimos e só lamentam que as nossas visitas sejam tão espaçadas. Nós também.
A surpresa foi que, no cafezinho ao lado, à porta do qual, depois do almoço, gosto de sentar-me para fumar a minha cachimbada e beber o meu CRF em balão previamente aquecido, enquanto descanso os olhos e a alma nas serranias que não digo e me deito a adivinhar os desenhos das nuvens, também havia saudades. E ali só dizemos bom dia e boa tarde. E obrigado e até à próxima. Mas dizemos.
O certo é que dois clientes, gente da terra - um dos seus 40 anos, outro já da terceira idade -, fizeram questão de vir ter connosco, inesperadamente, primeiro um e depois o outro, para nos dizerem que a nossa falta tinha sido notada: "Já cá não vêm há muito! Têm que aparecer mais vezes! Gostamos de os ter cá"...
Não sei se é do cheiro do Minho. Não sei se é do fumo. Mas este povo é bom. É bom como não há. E não merece os patifes que o estão a empobrecer.

(Texto escrito e publicado pela primeira vez no dia 3 de Dezembro de 2011. A fotografia é muito posterior. Inicio hoje a revisita a uma série de "textos de Natal". E ficamos já combinados: os textos são de Natal apenas porque têm lá algures a palavra Natal ou, regra geral, nem isso. São de Natal porque me apetece.)

9 comentários:

  1. Mas está-se a acabar, caro j. A begueira da Merkel e o onzeneiro do Sarkozy não querem isto assim. Isto assim não obedece às normas. Estão a acabar os lavradores, os campos vão acabar, a aguardente é contrabando, as fogueiras serão proibidas e o Natal também, o Minho desaparecerá do mapa e as pessoas boas também. Segundo as normas, restarão os filhos da puta e salsichas Bratwurst. Quem estiver mal, que se mude para casa do banana do Passos Coelho.
    Obrigado pela visita e pelo comentário.

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  2. Ainda vai durar, amigo Hernâni...
    E até talvez mais rural. Qualquer dia estamos todos no campo a plantar as nossas couvinhas.
    Grande abraço por esta nostalgia
    Nestes

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  3. Mas quais couvinhas, Nestes? As couves vão ser proibidas. Só de plástico e alemãs é que serão permitidas. E campos, de concentração!
    Obrigado pela visita e pelo comentário. Grande abraço e viva aquele certo e determinado clube!

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  4. Compartilho do pessimismo e da amargura.
    Mas é a ironia que me vai trazer mais vezes até este blogue que só hoje descobri...

    Boas cachimbadas!

    Ana

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  5. Obrigado, Ana, pela visita e pela simpatia do comentário. Volte sempre.

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  6. Já não me lembrava da maçã no vinho. Mas que bom! Senti os pedaços de maçã amaciados pelo vinho na minha boca. Obrigado.

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  7. Quem seria o cabrão do chino que trouxe as putas das abelhas gigantes que, no Minho, exactamente, no Minho, estão a destruir as nossas colmeias. Que mal teremos nós feito, para levar com tanta M.... chinesa em cima...??? É que nem as gajas se aproveitam. Quanto a esse bendito restaurante, fui lá uma vez contigo, por isso sei bem do que falas!
    Abraço
    G.J.

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