sábado, 1 de setembro de 2012

Às vezes, o futebol


Comecei a ir ao futebol pela mão do meu pai. Íamos ao Campo da Granja ver o Fafe. O Campo da Granja tinha bancada e uma nora atrás da baliza do lado de São Gemil. A nora, neste caso, era um engenho para tirar água de um poço e não funcionava. Mas ficava num altinho muito jeitoso para a assistência. Eu e o meu pai víamos os treinos, os jogos, os juniores em vez da missa (o que arreliava a minha mãe), as reservas e, ao domingo à tarde, o primeiro time. Os domingos à tarde da minha infância eram os melhores dias do mundo. Até tinham altifalantes com marchas do John Philip Sousa! Depois o meu pai deixou de ir à bola, por razão de força maior, mas eu continuei.
O Campo da Granja desistiu para dar lugar a uma escola de pré-fabricados. E foi bom para todos. Ganhámos o ciclo preparatório e um estádio que havia de ser. Apareceu-me o buço e, embora uma coisa não tenha a ver com a outra, passei a acompanhar a Associação para todo o lado, pendurado na generosidade de amigos mais velhos e empregados. Frequentei todos os campos e estádios do Norte do País e, já praticamente de bigode, até fui ao Barreiro arrancar à CUF um lugar nas meias-finais da Taça de Portugal.
Quando mudei a minha vida para o Porto ainda se ia ao futebol em família. Quero dizer: famílias inteiras, com pai, mãe, avós e netos, sobrinhos, primos, namoradas e namorados. Podia-se ir, não era perigoso. Eu fui logo morar para o Estádio das Antas, Superior Norte, porta com porta com o meu tio Zé da Bomba, que já lá morava há que anos. Consegui converter a minha mulher ao FC Porto e passámos a ir à bola os dois, eu e ela com a cesta do merendeiro atrás, porque naquele tempo não havia lugares marcados e para jogos grandes era mesmo preciso entrar de véspera. E quando digo merendeiro quero dizer exactamente merendeiro: frango assado, sandes de vitela ou lombo de porco, panados, bolinhos de bacalhau, bacalhau frito, pataniscas, feijoada, salada russa, iscas de fígado, rojões, moelas de coelho, arroz à valenciana, filetes de pescada, salpicão, presunto e rebentos de soja, uma toalha de linho em cima dos joelhos, uma garrafosa de verde tinto bem fresquinho, ou duas, e uma garrafa de litro de cerveja, ou duas, por causa dos descontos. Entrava tudo. E marchava tudo. Para não virmos carregados para casa. Aquilo é que era futebol!
Se o FC Porto não jogava nas Antas, então eu ia ao Mar torcer pelo Leixões ou ao Bessa ver o Boavista. Aos sábados puxava pelo Salgueiros em Vidal Pinheiro que Deus tem ou matava o vício no campo do Infesta, que me dava falta de ar. Às quartas, dia da minha folga do trabalho, papava campeonatos de reservas, desempates da Taça de Portugal, liguinhas de subida de divisão e torneios de apuramentos de campeões. Em Santo Tirso, em Vila do Conde, na Póvoa de Varzim, em Espinho, em Aveiro, onde calhasse aqui à roda. Havia jogo, eu estava lá. E regalava-me. Mas depois chegaram as claques. E eu vim-me embora.

Às vezes tenho saudades. Tive saudades anteontem ao ver as imagens da Sport TV em Alvalade, momentos antes do início do jogo do Sporting para a Liga Europa. Tocou-me: um avô e dois netos (foi o que me pareceu) agarrados à marmita com o apetite a cem e o sportinguismo a mil. Ali os três que apanhei por acaso, puros, em paz, com espaço, calmamente à espera da capilota prometida, felizes da vida como era eu nos domingos à tarde do Campo da Granja ou nas ceias com a minha mulher lá no degrau mais alto da Superior Norte das Antas. Claro que anteontem em Alvalade era jogo de meia casa e com um adversário de boas-festas. Claro que agora nos estádios só se pode comer plástico. E claro que já não se ouve The Stars and Stripes Forever e o Toni Dantas também não. Mas o resto aqueles três tinham.

9 comentários:

  1. Mais uma delícia de texto! Aproveito para lhe comunicar que aderi ao FB e que, por isso, tenho intenção de começar a partilhar estas pérolas. Isto se o se Nane der licença, obviamente! Pode ser?
    Grande abraço,
    P.

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  2. São uma delícia, os teus textos!
    Abraço
    Gaspar de Jesus

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  3. Como eram bons os domingos na bola contigo! O meu guarda costas nas entradas e saidas apertadas no Estadio das Antas e no pavilhao Americo Sá! Obrigado por me recordares estes bons momentos.
    Abraço Miguel

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  4. ...e se bem me lembro até ao estádio nacional ver o Artur Jorge, pode ser?

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