terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Fafe e a morte do poeta Augusto Fera


Fafe tem uma biblioteca municipal. E a Biblioteca Municipal de Fafe tem um blogue onde vai colocando algumas "notícias" a conta-gotas, bagatela para uma terra que não sossega de parir tanto poeta, escritor e historiador com obra feita e publicada. Os livros em Fafe saem ao ritmo dos pãezinhos da Parefa. E isso é bom.
A intelectualidade fafense é um bocado onanista, como quase todas as intelectualidades - incluindo as verdadeiras. As intelectualidades - sobretudo as de imitação - funcionam em circuito fechado. São uma espécie de clube restrito onde os seus poucos membros se incensam e invejam reciprocamente e principalmente se incensam a si mesmos. E cada qual elabora e publicita um conceito geral de notabilidade esgalhado à exacta medida do seu próprio perfil. Lá fora não há mundo. A felicidade suprema está no espelho, sempre à mão de semear. E isso pode não ser mau, embora faça calos.

O poeta Augusto Fera morreu faz hoje oito dias. Durante meio século espalhou a sua poesia pela imprensa local, fartou-se de ganhar prémios e no ano passado publicou o seu primeiro e único livro - "Cruz de Chumbo e Outros Poemas" -, num acto de justiça em boa hora praticado por José Mário Silva, presidente da Junta de Freguesia de Fafe, que editou a obra.
Confesso: não me revejo na estética da poesia de Fera, demasiado (diria) maneirista para o meu gosto, mas admirava-lhe o contínuo labor na procura das palavras, a intenção de chegar aos clássicos, o esforço, a ingenuidade às vezes, a seriedade na escrita e a honestidade na mensagem. Convenhamos, no entanto, que a minha opinião literária é aqui absolutamente irrelevante, até porque incompetente.
Conheci muito bem Augusto Fera. O homem sábio, simples e humilde. No meu tempo de miúdo e de Santo Velho, maravilhava-me a vê-lo dobrar a esquina do Palacete, em direcção à Ponte do Ranha, quando ele vinha da Fábrica do Ferro. Como é que ele, cego, conseguia? Como é que ele sabia que a esquina estava exactamente ali? Aquilo sempre me intrigou. Diziam-me que ele contava os passos, que via as horas com os dedos. Para mim, não: aquele homem era mágico. Pois se até fazia versos...

O poeta fafense Augusto Fera morreu há uma semana e a Biblioteca Municipal de Fafe não lhe dedicou uma única linha. No dia da morte do nosso poeta, o blogue da Biblioteca Municipal de Fafe destacou o Prémio Portugal Telecom de Valter Hugo Mãe. Também está bem.
Augusto Fera não fazia parte dessa plêiade de convencidos da vida que esgota a "cultura" fafense em genialidades de trazer por casa. Augusto Fera era a sério e era povo. Percebo, por isso, o intelectual silêncio à volta da morte do poeta. Silêncio quebrado, numa honrosa e justificada excepção, pelo blogue Sala de Visitas do Minho, de Artur Coimbra.
Não. O poeta Augusto Fera não era cego. O poeta, não! Outros serão.

2 comentários:

  1. Boa tarde,
    Só hoje, por partilha no FB pelo BlogMontelongo Fafe, é que tomei conhecimento deste magnifico texto.
    Muito obrigado Sr. Hernâni Von Doellinger.

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