sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Marcelo, presidente da república desde pequeninho

Sou fã de Marcelo Rebelo de Sousa, já disse. Gosto daquele ar cartomante com que o Professor nos revela tudo aquilo que nós já sabíamos. Gosto daquele sorrisinho matreiro, sorrisinho marca já-te-fodi. Gosto da forma como o Professor vai à televisão vender pedaços de nada como se fossem o mundo inteiro. O truque está no poder de concentração e nos embrulhos. Marcelo usa papel de embrulho do melhor: papel de lustro, manobrista e recadeiro. E os fregueses adoram. Marcelo sabe mais que o Papa. Sabe mais que a Irmã Lúcia. Sabe o passado e o futuro. Marcelo é o nosso presente.
A omnisciência sempre me seduziu. Desde miúdo, quando, ainda em Fafe, eu ia a casa do Bertinho Dantas (o sobrinho) jogar O Sabichão. Depois, ao longo da vida, tive a sorte de encontrar sábios a sério em velhos lavradores, em professores, em camaradas de profissão, em três ou quatro amigos, gente que muito respeito e continuo a admirar. Hoje, porém, no negócio dos que tudo sabem, só me contento com Deus. Deus no Céu e Marcelo Rebelo de Sousa na Terra.

Era uma vez 2005, ano de eleições legislativas em Portugal. Luís Filipe Menezes chefiava a lista do PSD por Braga e foi em pré-campanha a Celorico de Basto. O cabeça de cartaz do jantar-comício era Marcelo Rebelo de Sousa. O meu jornal mandou-me atrás dele.
Dos discursos, lembro-me apenas que Menezes "lançou" a candidatura de Marcelo à Presidência da República (as voltas que a vida dá!), oferecendo-lhe um quadro já não sei com que motivos. No final das intervenções, Marcelo andou de mesa em mesa, como noivo em dia de casamento, distribuindo bacalhauzada àquela gente toda a quem fazia questão de fazer de conta que conhecia.
Eu aproveitei a confusão para dizer ao que ia:
- Sr. Professor, eu sou o...
- Eu sei - cortou simpaticamente Marcelo, estendendo-me a mão e um sorriso de orelha a orelha.
- ... o Hernâni Doellinger, do...
- Sei muito bem quem é - insistiu Marcelo, retirando a mão e reduzindo o sorriso.
- ... jornal 24horas - consegui informar, enfim.
- Exactamente, eu sei, sei muito bem, Hernâni, 24horas, eu sabia - concluiu Marcelo, metendo o resto de sorriso no bolso das calças e pedindo licença para continuar com os cumprimentos, que ainda havia muitas mesas para bacalhauzar no salão de cima e que falávamos no fim.
Claro que não falámos. Marcelo Rebelo de Sousa foi-se embora como quem não quer a coisa, sem me dar uma segunda oportunidade e se calhar até fez bem, o 24horas não se recomendava. Também não interessa. O importante é isto: o Professor não me conhecia de lado nenhum, nunca me tinha visto mais gordo nem mais magro, mas apareci-lhe à frente e ele "soube" logo quem eu era. Não é extraordinário? Agora que penso nisso, devia ter-lhe pedido que me lesse a sina. E que me desse os números do Euromilhões.

Ainda hoje guardo religiosamente a mão com que cumprimentei Marcelo Rebelo de Sousa naquele encontro histórico de Celorico de Basto. Os nossos contactos seguintes, tal como os anteriores, resumiram-se ao telefone. Ligava eu, por dever de ofício. O Professor atendeu-me quase sempre. E foi sempre amável e útil.

(Texto escrito e publicado originalmente no dia 28 de Agosto de 2012, com o título "O Astro". Quem tiver idade para se lembrar da telenovela de Janete Clair e do desempenho do actor Francisco Cuoco percebe a história do cartomante, quem for mais novo que se informe. E reparem: em 2005, portanto há dez anos, Luís Filipe Menezes também lia a sina, adivinhava a candidatura do Professor, exactamente em Celorico, mas não era assim tão difícil - Marcelo, estava-lhe nas linhas das mãos, trabalha no assunto desde que nasceu.)

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