quinta-feira, 14 de abril de 2016

Soeiro Pereira Gomes 3

Os homens baixaram a cabeça, em anuência. Ti Paulino parou de limpar o tampo do balcão; mas nada disse. A fraqueza do negócio e os fiados, que nunca recusava, tinham-lhe amortecido a antiga tagarelice. Envelhecera muito. Apenas à hora da BBC vibrava ainda fiel às ideias e aos homens cujos retratos ornamentavam as paredes.
Zé Lérias continuou: - Razão tinha eu, desde o princípio; mas ninguém quis seguir os meus conselhos... Agora, em vez de terras, tendes aquela sombra negra para sempre. Estão ali milhares de contos à ferrugem. - E pôs-se a marralhar em certa ideia.
- O mal não é da fábrica, mas da guerra, que consome as matérias-primas e o carvão - objectou Fariseu.
- Pois sim. Mas se cada qual amanhasse uma courela, tinha pão com fartura, pelo menos. Além disso trabalhava por sua conta, que é o melhor.
- Ora, o que faz o progresso são as máquinas. Há lá coisa mais bela que um motor a trabalhar!
- Isso diz você, que nunca viu nascer um pé de trigo. Progresso! Você e os mais devem ter a barriga cheia dele.
Foi estendendo a mão à esquerda e à direita, em despedida, indiferente aos argumentos do operário, e, da porta, chacoteou:
- Adeusinho. Avenham-se com o progresso. 

"Engrenagem", Soeiro Pereira Gomes 

(Soeiro Pereira Gomes nasceu no dia 14 de Abril de 1909. Morreu em 1949.)

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