domingo, 8 de janeiro de 2017

João Campos

Música negra

O letreiro diz o nome da cidade deserta.
O luar cai como um perfume entornado na noite.
Os corpos estão estendidos nas ruas abandonadas,
na serena segurança da morte que veio.
Os soldados embebedam-se nas tabernas saqueadas.
Reluz o aço das baionetas abandonadas no chão.
Os meninos pasmam no terror dos aviões que passam
e já não têm mal-me-queres para desfolhar
nem sonhos a que se dêem com impossível impulso.
As mulheres choram todos os mortos desenterrados
e temem a brutalidade dos soldados embriagados,
rentes aos portais desertos, olhados tranquilamente
pela mais bela lua que, jamais, passeou o céu.
As bandeiras flutuam, ao luar, com a serenidade própria de símbolos.
- Porque não mandas, Senhor, o tal dia
em que os homens, tão sinceramente irmãos,
tornem impossíveis todas as guerras, todas as cidades desertas,
todos os meninos que não desfolhem mal-me-queres,
todos os mortos por sepultar,
todas as mulheres tremendo da brutalidade dos soldados embriagados?

 
"Mar Vivo", João Campos

(João Campos nasceu no dia 8 de Janeiro de 1912. Morreu em 1988.)

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