quinta-feira, 16 de março de 2017

Camilo Castelo Branco 5

Os tolos são felizes; eu, se fosse casado, eliminava os tolos da minha casa. Cada cidadão que me fosse apresentado não poderia sê-lo sem exibir o diploma de sócio da academia real das ciências. Olha, criança, decora estas duas verdades que o Balzac não menciona na "Fisiologia do Casamento". Um erudito, ao pé da tua mulher, fala-lhe na civilização grega, na decadência do império romano, em economia política, em direito público e até em química aplicada ao extracto do espírito de rosas. Confessa que tudo isto o maior mal que pode fazer à tua mulher é adormecê-la. O tolo não é assim. Como ignora e desdenha a ciência, dispara à queima-roupa na tua pobre mulher quantos galanteios importou de Paris, que são originais em Portugal, porque são ditos num idioma que não é francês nem português.
Tua mulher, se tem a infelicidade de não ter em ti um marido doce e meigo, começa a comparar-te com o tolo, que a lisonjeia, e acha que o tolo tem muito juízo. Concedido juízo ao tolo, concede-se-lhe razão; concedida a razão, concede-se-lhe tudo. Ora aí tens porque eu antes queria ao pé de minha mulher o padre José Agostinho de Macedo, em cuecas, do que o barão de Sá coberto com a capa daquele grande piegas José do Egipto.

"Mistérios de Lisboa", Camilo Castelo Branco 

(Camilo Castelo Branco nasceu no dia 16 de Março de 1825. Morreu em 1890.)

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