quarta-feira, 31 de maio de 2017

Walflan de Queiroz

Poema do mutilado

Não me amem. Mutilaram-me quando vim ao mundo.
Não me olhem. Minhas mãos sangram ainda.
Não tenho presente nem passado, não pertenço a nenhum grupo, partido, seita, ou religião.
Amigos me faltam sempre, nunca inimigos.
As mulheres com as quais eu dormi, assassinaram-me.
Tenho estreita afinidade com os bandidos, os contrabandistas e os gângsters.
Tenho vivido já em várias épocas, não fui aceito por nenhuma.
Meu povo é o de Hamlet, o de Macbeth, e o de Ricardo III.
Detesto a chuva, o mar e o crepúsculo.
Amo somente a noite.
Amo somente minha solidão.
Não me amem. Sou um homem mutilado pelo sofrimento.
Não me olhem. Tenho no rosto os estigmas da crueldade.
Não tenho presente nem passado, não pertenço a nenhuma vida e nem a nenhum coração.
Faço poemas apenas porque sou um homem mutilado.

"O Tempo da Solidão", Walflan de Queiroz

(Walflan de Queiroz nasceu no dia 31 de Maio de 1930. Morreu em 1995.)

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