terça-feira, 22 de agosto de 2017

Bolinhos de bacalhau no Tarrenego! 6

Já não há mulheres com bigode
Sempre gostei de ir a Ponte de Lima por causa do arroz de sarrabulho e dos bigodes das mulheres. Mulheres feias é ali. Feias e bigodudas. Basta um raio de sol espreitar por entre as nuvens e elas saltam todas não se sabe donde para as bordas do rio a arejar as carantonhas e respectivas piaçabas. Palavra de honra, é um espectáculo digno de ser visto. Comprar um cartucho de jornal cheio de castanhas assadas e comê-las, ainda quentes, enquanto observamos o mulherio, picadeiro acima, picadeiro abaixo, como num desfile de moda mas para bigodes fêmeos, nove pontos para aquela, treze para a das suíças, há lá melhor maneira de passar um pedaço de tarde! Não sei o que a bela vila alto-minhota tem, mas é assim que as coisas são.
Cuidado. Antes de me soltarem os cães, façam o favor de perceber que eu não disse que as mulheres limianas são bigodadas e feias. Não. O que eu digo é que, aos fins-de-semana e feriados, elas, as bigodadas e feias, concentram-se todas ali, à beira-Lima, como se fosse um congresso de camafeus ou um concurso de feieza. Numa dessas ocasiões, eu próprio fui confundido com a cantadeira de um rancho folclórico derivado às minhas barbas. De resto, não sei de onde elas vêm, nunca perguntei.

Anteontem, aproveitando o último feriado de Todos-os-Santos das nossas vidas, fui a Ponte de Lima e tive um desgosto. A vila mais antiga de Portugal, Ponte de Lima monumental e histórica, está mais pobre. As mulheres continuam particularmente feias, honra lhes seja, mas deitaram abaixo os bigodes. Sentei-me no banco do costume, junto à vendedeira de castanhas, queimei os dedos a comê-las, mas bigodes de mulheres, que era ao que eu ia, nem um para amostra. É lamentável. Os cremes depilatórios estão a dar cabo do nosso património.
Não sei se volto a Ponte de Lima. Ainda por cima, o arroz de sarrabulho também não estava grande coisa. Mas as castanhas eram bem boas.

PS. - Publicado originalmente no dia 3 de Novembro de 2011.

Antes que o mundo acabe
O mundo vai acabar dentro de exactamente 59 minutos. Pelas contas do pastor evangélico norte-americano Harold Camping, que se costuma enganar muito, mas desta vez é que é, o Apocalipse chega daqui a um bocado: às 20 horas de sexta-feira na terra dele, uma da manhã de sábado em Portugal continental. Foi o que ele disse aos seus discípulos. E eu só espero que ninguém se aleije. Mas não ficou claro, pelo menos para mim, se o fim do mundo é o fim da América, porque, para os americanos, a América é o mundo, ou se nos toca a todos, incluindo o principado de Sealand e essa pequena adjacência chamada China.

(Por falar em China, falemos também na Hungria. O que é que deu aos chineses e aos húngaros para julgarem que são mais infelizes do que os portugueses? Nem uns nem outros tiveram o Sócrates e o Teixeira dos Santos, não têm o Passos Coelho nem o Vítor Gaspar, não fazem ideia de quem é Cavaco Silva, queixam-se de quê? A que propósito é que chineses e húngaros ficaram à frente de Portugal num inquérito da OCDE, envolvendo 40 países, sobre os mais insatisfeitos com a vida?)

Antes que o mundo acabe, quero, porém, esclarecer o seguinte: bacalhau à espanhola não é caldeirada de bacalhau, tão-pouco ensopado de bacalhau. Bacalhau à espanhola é um prato que pede azeite e não água. É quase um guisado, de molho grosso e aveludado, e com o tempero apurado até aos limites legais de sal, pimenta, alho, louro e salsa. Por mim, também malagueta. Colorau, um nada só para dar cor. E, tomem nota, o pimento e o tomate são duas desnecessidades usadas apenas por quem pensa, mas não sabe, que só assim é que é "à espanhola". Erro crasso. O bacalhau à espanhola é à portuguesa!
O bacalhau até pode ser de quarto, daquele que, inteiro, não mede mais do que um palmo. E pode ser pouco. Não faz diferença nenhuma. O importante é o gosto que o bacalhau empresta, o equilíbrio do tempero geral, a consistência da molhanga. Quando eu era pequeno e os tempos eram de pobreza como os de agora, a minha mãe fazia um bacalhau à espanhola a que, honestamente, chamava batatas à espanhola. E vocês não fazem ideia do que perderam por nunca terem provado as batatas à espanhola da minha mãe...
E pronto, era isto. O mundo já pode acabar. Estou preparado, enfim de consciência tranquila. Andava com esta espinha atravessada na garganta desde o almoço da passada terça-feira, aí num sítio. E agora, se me dão licença, vou à cozinha salgar uns ossinhos da suã para o jantar de logo à noite.

P.S - Publicado originalmente no dia 22 de Outubro de 2011.

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