sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Queimadela sempre presente


A visita da Veneranda Figura
As visitas da Veneranda Figura ao Portugal corno manso eram, não raro, momentos de alto fervor nacionalista e profunda reflexão cultural. Sua Excelência o Senhor Presidente da República - ou o Padeiro, na versão abreviada - tinha o condão da palavra certa. Humanista dos sete costados, enciclopedista dado a calendário, geografia e contas de somar, Américo Tomás abria a boca para espirrar e saíam-lhe pérolas, orações de sapiência. Num país de troca-tintas e fala-barato de nascimento, o rigor e o donaire na afirmação são a superlativa herança que o marido de Dona Gertrudes fez o obséquio de nos deixar.
Por exemplos:
1. "Hoje visitei todos os pavilhões, se não contar com os que não visitei".
2. "É uma terra [Manteigas] bem interessante, porque, estando numa cova, está a mais de 700 metros de altitude".
3. "Comemora-se hoje em todo o país uma promulgação do despacho número cem, a que foi dado esse número não por acaso mas porque ele vem na sequência de outros noventa e nove anteriores promulgados".
4. "Neste almoço ouvi vários discursos, que o governador civil intitulou de simples brindes. Peço desculpa, mas foram autênticos discursos".
5. "Eu prolongo no tempo esse anseio de Vossa Excelência e permito-me dizer que o meu anseio é maior ainda. Ele consiste em que, mesmo para além da morte, nós possamos viver eternamente na terra portuguesa, porque se nós, para além da morte vivermos sempre sobre a terra portuguesa, isso significa que Portugal será eterno, como eterno é o sono da morte".
6. "Hoje tivemos um dia sumamente positivo: de manhã assistimos à santa missa e de tarde inaugurámos o monumento ao bombeiro".
7. "Pedi desculpa ao Senhor Engenheiro Machado Vaz por fazer essa rectificação. Mas não havia razão para o fazer porque, na realidade, o Senhor Engenheiro Machado Vaz referiu-se à altura do início do funcionamento dessa barragem e eu referi-me, afinal, à data da inauguração oficial. Ambas as datas estavam certas. E eu peço, agora, desculpa de ter pedido desculpa da outra vez ao Senhor Engenheiro Machado Vaz".
8. "A minha boa vontade não tem felizmente limites. Só uma coisa não poderei fazer: o impossível. E tenho verdadeiramente pena de ele não estar ao meu alcance".
 9. "O Senhor Professor Oliveira Salazar, ao longo de mais de trinta anos, é uma vida inteiramente sacrificada em proveito do País, e, desconhecendo completamente todos os prazeres da vida, é um homem excepcional que não aparece, infelizmente, ao menos, uma vez em cada século, mas aparece raramente ao longo de todos os séculos".
10. "Esta é a primeira vez que estou cá desde a última vez que cá estive".

Tomás era o circo e mais nada. O Presidente da República nunca encontrou palavras de jeito para falar ao Portugal dos pequeninos. Ele não as sabia e ninguém lhas ensinou.

O bispo que não gosta do nome da barragem
Há coisa de 20 anos, Fafe fez o milagre de construir uma barragem a partir de um rio que era tudo menos um rio. Só visto na altura: era um ribeiro. Mas nasceu a Barragem de Queimadela, com onze hectares de albufeira e espaço verde a fartar para quem gosta da natureza e do desporto que dá saúde.
A Barragem de Queimadela passou a ser um justificado motivo de orgulho fafense, um chamariz de visitantes, um ponto de encontro de famílias piqueniqueiras ou campistas, dos amantes das caminhadas, dos praticantes de actividades mais ou menos náuticas e não poluentes, tipo pesca, windsurf, slide, rappel ou parapente, segundo leio. Creio que não me engano se acrescentar que foi na Barragem de Queimadela que os bombeiros de Fafe se fizeram mergulhadores.
Que se segue: fiquei hoje a saber que o nome da Barragem de Queimadela é "um abuso", "uma confusão geográfica, histórica e administrativa". D. Joaquim Gonçalves, bispo emérito de Vila Real, garante que a Barragem de Queimadela está localizada em território da freguesia de Revelhe. E mais diz: que "nunca houve ali nenhum terreno ou povoação com o nome de «queimadela»" e que "manter as coisas como estão será prolongar uma fraude e uma violência que não honra ninguém, nomeadamente as autoridades". Uma fraude. Uma violência...
É preciso que se note: Queimadela é (até ver) outra freguesia de Fafe, confinante com Revelhe, e D. Joaquim será um revelhense dos sete costados, pelo menos agora que está reformado e tem vagar para isso.
Não sei em que circunstâncias ou a que propósito o prelado falou e disse (ou escreveu). Cinjo-me ao que acabo de ler na capa do jornal Notícias de Fafe, que anda com Revelhe debaixo de olho, e na sinopse adiantada online por Jesus Martinho.
E não sei mais isto: se a Barragem de Queimadela fica mesmo em Queimadela ou em Revelhe. Até hoje eu pensava que fosse em Queimadela, como o próprio nome indica, mas também acreditava que o Menino Jesus nasceu entre o burrinho e a vaquinha e afinal o Papa desfez-me o presépio no outro dia. Agora, estragar um cartaz turístico de vinte anos, passar a chamar Barragem de Revelhe à Barragem de Queimadela é que não lembraria ao diabo, com perdão do senhor bispo. Portanto
(antes que a Câmara Municipal tenha a brilhante ideia de colocar à discussão pública a localização ou deslocalização daquela água toda e arredores)
proponho o seguinte: para que D. Joaquim Gonçalves não se amofine com miudezas e, como bispo da Igreja Católica, possa enfim concentrar-se nas verdadeiras violências deste mundo, quando lá formos passamos a dizer:
- Vou a Revelhe, queres vir?
- A Revelhe?
- Sim, à Barragem de Queimadela...

(Por causa da Volta a Portugal, a RTP instalou-se desde ontem em Fafe e hoje montou tenda na Barragem de Queimadela. Queimadela nunca falha, está sempre presente, até aqui no Tarrenego! O primeiro texto, escrito e publicado no dia 29 de Junho de 2013, tem uma fotografia que reporta, se não me engano, aos finais da década de mil novecentos e sessenta e à visita de Américo Tomás para inaugurar a "nova" Câmara Municipal, o Tribunal e a escola do Santo Velho. Os queimadelenses de antanho lá estão, ignorantes de que há História, saudando a Veneranda Figura. O segundo texto foi escrito e publicado no dia 15 de Dezembro de 2012. Para quem não é de Fafe mas gosta de aprender, devo esclarecer que se deve ler e dizer "ssémpre presénte". Assim falamos, e com muito gosto...) 

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