quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Dinah Silveira de Queiroz 5

A moralista

Se me falam em virtude, em moralidade ou imoralidade, em condutas, enfim, em tudo que se relacione com o bem e o mal, eu vejo Mamãe em minha idéia. Mamãe - não. O pescoço de Mamãe, a sua garganta branca e tremente, quando gozava a sua risadinha como quem bebe café no pires. Essas risadas ela dava principalmente à noite, quando - só nós três em casa - vinha jantar como se fosse a um baile, com seus vestidos alegres, frouxos, decotados, tão perfumada que os objetos a seu redor criavam uma pequena atmosfera própria, eram mais leves e delicados. Ela não se pintava nunca, mas não sei como fazia para ficar com aquela lisura de louça lavada. Nela, até a transpiração era como vidraça molhada: escorregadia, mas não suja. Diante daquela pulcritude minha face era uma miserável e movimentada topografia, onde eu explorava furiosamente, e em gozo físico, pequenos subterrâneos nos poros escuros e profundos, ou vulcõezinhos que estalavam entre as unhas, para meu prazer. A risada de Mamãe era um "muito obrigada" a meu Pai, que a adulava como se dela dependesse. Porém, ele mascarava essa adulação brincando e a tratando eternamente de menina. Havia muito tempo uma espírita dissera a Mamãe algo que decerto provocou sua primeira e especial risadinha:
- Procure impressionar o próximo. A senhora tem um poder extraordinário sobre os outros, mas não sabe. Deve aconselhar... Porque... se impõe, logo à primeira vista. Aconselhe. Seus conselhos não falharão nunca. Eles vêm da sua própria mediunidade...
Mamãe repetiu aquilo umas quatro ou cinco vezes, entre amigas, e a coisa pegou, em Laterra.
[...]

Dinah Silveira de Queiroz

(Dinah Silveira de Queiroz nasceu no dia 9 de Novembro de 1911. Morreu em 1982.)

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