sexta-feira, 10 de novembro de 2017

O maratonista Ernesto

Foto Hernâni Von Doellinger

Foi a sua décima quarta Maratona do Porto, a primeira a pé, finalmente como manda a sapatilha. De costume o Nestes era o motard que levava às costas o director da prova, Jorge Teixeira, ou, em algumas edições, Miguel Mustaza, manager dos atletas africanos que fazem a frente e os tempos da corrida. É, em todo o caso, um totalista.
Ernesto Brochado, provavavelmente a figura mais conhecida e respeitada do mototurismo nacional, dirigente do Moto Clube do Porto e da Federação de Motociclismo de Portugal, alma mater e organizador crónico do extraordinário Portugal de Lés-a-Lés e de dezenas de outras iniciativas do género, posto que de menoríssima dimensão, meu amigo, ainda por cima, é dele que falo - isto é: do Nestinho.
O Nestinho - que ao serviço do histórico Sport Comércio e Salgueiros, lá pelos finais dos anos de mil e novecentos, passou ao lado de uma grande carreira como ciclista, bastante ao lado, aliás - costumava dizer, numa das suas quase sempre admiráveis sentenças, que "só corre quem não sabe andar de bicicleta". Eu, parafraseando o filósofo sacavenense Vítor Correia, respondia-lhe que "isso até os porcos"...
Mas deu-lhe agora para a maratona, aos 52, embora ao espelho pareça que são 25.
Ora bem: uma maratona, mesmo que só para experimentar, não se prepara do pé para a mão. E o Nestes teve a sorte de poder contar com a preciosa ajuda de Jorge Teixeira, que todas as semanas lhe dava um plano específico de treino e conselhos actualizados sobre equipamento, alimentação ou descanso. Durante dez meses! Duzentos e dez treinos, alguns de vinte quilómetros e dois de trinta, mais três meias maratonas, duas provas de dez quilómetros e o Porto a Subir, para ver como as coisas iam em competição. No total, mais de 2.500 quilómetros calcorreados, como se tivesse ido a penantes de Matosinhos até Berlim, sem bilhete de regresso...
Com estas e com outras, o Nestinho, que mede dois metros menos vinte e cinco centímetros e nunca foi gordo, queimou para cima de dez quilos e tornou ao lingrismo dos seus dezoito, dezanove anos, quando, pele e osso, ciclistava "ao lado de profissionais como Marco Chagas e Venceslau Fernandes", como faz questão de recordar, mas aqui o "ao lado" é, agora já sou eu a falar, uma tremenda... força de expressão.
Amante e defensor da natureza, moto e ecoturista, sabedor e apaixonado pelo Portugal desconhecido que espera por nós, e que ele gosta tanto de partilhar, o Nestes aproveitou as suas deambulações profissionais para treinar em alguns dos mais belos sítios do País. Treinou em perto de trinta concelhos diferentes, do Minho ao Guadiana, da foz do Tua à foz do Arade, do Côa rupestre à ria Formosa, do Mazouco à Gardunha, de Aguiar da Pena ao Caia, de Noudar à Carrapateira, passando pela Ribeira Grande, na ilha de São Miguel, Açores, sempre aproveitando e explorando caminhos e estradas rurais, marginais, parques naturais, rios, ecopistas, falésias, bosques, carvalhais, serras, montes e vales, cerejais e castinçais, matas, jardins, castelos, zonas históricas, aldeias preservadas, herdades e pastos. Pastos efectivamente...

E no domingo lá se apresentou enfim, com o número 5794 na camisola amarela, dorsal personalizado e cheio de intenções particulares, como antigamente se dizia nas orações por nós e pelos nossos, vivos e mortos. Fui vê-lo passar e quase não via, no meio daquela animada confusão. Viu-me ele e chamou-me, com tempo para uma mãozada à vinda e para o meu "És grande, Nestinho, és grande!" à ida...
Quando tudo começou, há dez meses, o Ernesto "só queria correr a maratona em quatro horas ou mais, divertido, confortável e sorridente". No domingo, quando, "empenado mas feliz", cortou a meta ao fim dos sacramentais 42 quilómetros e um pentelho de corrida - sim, o nosso herói terminou a maratona, e logo à primeira -, o cronómetro marcava oficialmente o sensacional tempo de 3h34m03s. Quer-se dizer, com mais horita e meia ia-me fazer um recado a Fafe...

P.S. - A fotografia lá de cima respeita exactamente a Fafe - a Pedraído, se não me engano -, no water break de uma duríssima ultramaratona à mesa, e nessa eu também entrei. Quanto ao Nestinho, ainda há pouco jurava a pés juntos que a sua primeira maratona seria ao mesmo tempo a última. Que queria "voltar à vida normal". Mas já daqui a quinze dias vai participar na Meia Maratona de Famalicão. "É uma boa oportunidade de bater o meu recorde pessoal, que está em 1h36m", diz-me, esfarrapando-se em desculpas para tentar esconder o bichinho papa-léguas que obviamente se lhe ferrou no corpo. Já agora: se forem a Famalicão e virem um sorriso em calções, é ele...

3 comentários:

  1. Parabéns Hernâni. em pouco mais de um 'linguado'(leia-se um A4)conseguiste e bem, muito bem,fazer o 'retrato do nosso querido NESTINHO amigo e companheiro das lides jornalísticas.Da sua paixão pelas motos eu sabia, já do Atletismo confesso que... não imaginava. Mas agora vou enxugar esta lágrima que teimosamente persiste em ficar no meu olho esquerdo. A culpa é da fantástica foto do grande companheiro Ernesto Brochado.

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    1. Como bem sabes, Gaspar, o que aqui disse é o menos sobre o Nestinho, apenas um pormenor com intenção de graça. Importante é o ser humano que o Ernesto é, mas esse assunto merece recato...
      Grande abraço.

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  2. Acabo de saber: o Nestinho bateu mesmo, em Famalicão, o seu recorde pessoal da meia maratona, que agora é de 1h31m.

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