segunda-feira, 12 de março de 2018

Peregrino Júnior 4

Morreu.
Entre velas de carnaúba, o morto jazia no meio da sala estreita. O velho Valentim aproximou-se, com uma lentidão pesarosa, levantou o lenço de alcobaça que cobria o rosto lívido do filho e articulou um palavreado singelo de despedida. Depois, apertou a mão enregelada do defunto e exclamou a frase clássica daquela cerimônia cabocla:
- Adeus, Zeferino! até à outra vida!
Os demais parentes repetiram, com exatidão litúrgica, a despedida ingênua, dizendo as mesmas frases sacramentais.
- Adeus, Zeferino! Até à outra vida!
O enterro partiu.
Os que ficaram em casa - contentes de ficar! - vendo a montaria que levava o caixão sumir-se na verde curva do igarapé grande, atiravam-lhe de longe mãos cheias de terra. E a superstição de todos gritava que nem uma só boca:
- Adeus, Zeferino! Fica-te por lá mil anos e deixa a gente em paz!
- E de que morreu o Zeferino, Malaquias?
- Apois, o "muço" não sabe não?
- Um tiro de armadilha? Dizque...
- Axi! qual armadilha, qual nada, meu branco! Foi mau espírito! Zeferino, desde que foi caçar na Sexta-feira Santa, ficou possuído dum mau espírito! Sabe como é? "Espritado", patrão!


"A Mata Submersa", Peregrino Júnior

(Peregrino Júnior nasceu no dia 12 de Março de 1898. Morreu em 1983.)

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